18 novembro, 2005

DESIGUALDADES NO BRASIL


Todos recordam um espantoso resultado de um levantamento — a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 1976 — em que se deu a reinclusão do quesito “cor/raça” em pesquisas censitárias nacionais. Os brasileiros entrevistados se auto-classificaram em 136 tipos de “raça/cor”. Em muitas dessas variadas respostas, a referência a uma origem negra é uma informação fácil de detectar — em filigrana, sob a denegação e o disfarce. Não poucas refletem uma auto-ironia que é também informativa: aí aflora o reconhecimento da discriminação...

Há mais de uma explicação para esse resultado. É certo que a amplitude da miscigenação no Brasil produziu uma variação expressiva nos pigmentos da população; sabe-se também que sempre houve, neste país, um esforço de designação diferenciada dos mestiços. De qualquer modo, a gama revelada foi espantosa. Os pesquisados contestaram à questão já insólita (o censo de 1970, realizado durante a Ditadura, suprimira esse quesito) com estranheza, e com um excesso de descrição... As respostas mostravam um cuidado particularizador em busca da nuance, e um apelo constante a metáforas (sinais da denegação e da conduta elusiva, como já se indicou). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística teve essas respostas por insuscetíveis de análise. Mas alguns antropólogos dedicaram-se a interpretá-las.[1] A meu ver, apesar de tantos matizes, elas também acusam uma significativa ponderação do negro e do branco: é possível ordenar em relação a esses “pólos” todo (ou quase todo) o seu espetro; a maior parte dos designativos em apreço aponta a uma “intersecção” entre eles, ou lhes faz alusão de algum modo. A apreciação do desenho semântico das múltiplas categorias de cor assim discriminadas mostra que existe uma consciência fortíssima da mestiçagem e da intensa participação do negro (termo com ampla sinonímia na “nomenclatura” em questão) na composição da variedade populacional brasileira.

Depois da inesperada colheita da PNAD 1976, o IBGE alterou o procedimento de pesquisa. O requisito da auto-classificação foi mantido, mas controlado pela restrição a um quadro de opções pré-estabelecidas para o quesito cor/raça. Foram arbitradas as categorias branca, preta, amarela, parda e indígena... Na categoria parda passou-se a incluir “a pessoa que se declarou mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça”. Já na PNAD de 1998, deu-se que 5,4% dos brasileiros se declararam pretos, e 39,9% pardos. O censo de 1991 computou, entre os 146,5 milhões de nacionais, 51,5 % de brancos, 42,5% de pardos, 5% de pretos, 0,4% de indivíduos da raça/cor amarela e 0,2% de indígenas (IBGE, 1995). O Censo de 2000 mostrou uma pequena, mas significativa mudança: aumentou em todo o país a proporção das pessoas que se declararam de cor preta (6,2% ) e diminuiu a proporção de pardos (agora 39,1%). Na Bahia, esta mudança foi mais intensa: a proporção de pessoas de cor preta subiu de 10,2%, em 1991, para 13,1%, em 2000 e a proporção de pardos caiu de 69,3%, em 1991, para 62,5%, em 2000. Segundo o Censo 2000, a população branca continua maioria no país: 53,8% das pessoas se consideraram brancos, 39,1% pardos, 6,2% pretos, 0,5% amarelos e 0,4% indígenas. A maior concentração de brancos se verifica nas Regiões Sudeste (62,4%) e Sul (84,2%); já a população parda é maior nas Regiões Norte (63,5%) e Nordeste (59,8%). A Região Centro-Oeste mostra um equilíbrio entre as proporções de brancos e o conjunto de pretos e pardos.[2]
Os brancos deste país são, na sua grande maioria, descendentes de portugueses, que tiveram absoluta prevalência até o início do século XIX. A partir dos começos do referido século verificou-se, no Brasil (ao par da ininterrupta afluência portuguesa), um notável afluxo de espanhóis, italianos e alemães, entre outros migrantes europeus (em número bem menor). Sírio-libanases, também considerados brancos têm, desde essa época, uma participação significativa no conjunto dos nossos imigrantes, e sua descendência (como a de outros grupos advindos do Oriente Médio) soma-se ao contingente “branco” nacional. Mas entre os que migram para cá também se destacam os japoneses: seus descendentes nissei compõem a mais significativa parcela dos brasileiros “amarelos” do censo. (Outros asiáticos, a exemplo de chineses, coreanos etc. tendem a ser popularmente confundidos com os japoneses). Os migrantes computados no Brasil no Censo de 2000 chegam a três milhões de pessoas.

Considerada de um ponto de vista lógico estrito, a grade de classificação hoje utilizada pelo IBGE para os censos, no que toca a “raça/cor”, é de todo arbitrária. Preto, branco, pardo, amarelo e indígena formam um conjunto heteróclito de categorias: elas, evidentemente, não definem “raças”, nem cores, nem classes étnicas de um modo preciso. Não há, nesse conjunto, nada de mais exato ou científico que a espantosa nomenclatura das 136 cores... Mas o fato é que essa grade, de algum modo, corresponde a divisões presentes no domínio sociológico para o qual se volta a indagação do censo, e oferece uma solução de compromisso que torna realizáveis sondagens necessárias. Ou seja: por meio de uma aproximação capaz de fazê-los manipuláveis, ela reflete esquemas de uma codificação de aparências efetiva no meio brasileiro.[3]

Não há melhor recurso. A rigor, são arbitrárias todas as classificações raciais... No entanto, é preciso reconhecer a realidade sociológica das diferenças que, constituídas por alegação de raça, vêm a impor-se nesta e em muitas outras sociedades. Do ponto de vista da biologia, o “grupo dos brancos” (ou o dos “pretos”), seja na taxionomia brasileira, seja, por exemplo, na estadunidense, tem um recorte caprichoso, que privilegia um traço irrelevante em termos de categorização genotípica. Mas isto não significa que deva abandonar-se o estudo de relações raciais, ou que a oposição de “negros” e “brancos” etc. possa ser desconsiderada.[4] Pois dá-se que rótulos “raciais” produzem comportamentos e determinam formas de interação que afetam de maneira profunda o modo de vida dos grupos assim marcados, produzindo resultados significativos. Com isso, a “raça” ganha realidade sociológica... E o jogo das cores funciona, até mesmo quando parece truncado. “Raça” (e “cor”, enquanto signo de “raça”) vem a ser uma construção sócio-cultural empregada em procedimentos de discriminação. No Brasil, essa discriminação funciona com muito vigor, embora de maneira velada. A miscigenação não a impede, de modo algum.[5]

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Não há registro de conflitos étnicos significativos no Brasil envolvendo os migrantes que demandam este país.[6] ONG’s e Associações Civis que se preocupam com os direitos humanos insistem na necessidade de reformulação da Lei de Estrangeiros em vigor (Lei no. 6.815, de 19 de agosto de 1980), elaborada durante a Ditadura Militar e sob os auspícios da doutrina de segurança nacional; limitada e caduca, segundo os críticos, ela ignora os tratados internacionais relativos a seu objeto e não contempla da forma devida os direitos fundamentais da pessoa humana. Merece reparos também o fato de não ser o Brasil signatário da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1990. Mas reconhece-se que o Brasil possui uma boa legislação para o tratamento dos refugiados (Lei 9474/97), cujo número, neste país, não ultrapassa 3000 pessoas, 80% das quais de origem africana.

Desde o período final do Império e os primeiros anos da República se cogitou, e veio mesmo a implementar-se, no Brasil, uma estratégia deliberada de favorecimento à migração européia, com vistas à mudança do perfil racial da população, isto é, com o objetivo explícito do seu embranquecimento. Entre 1884 e 1913, cerca de 2,7 milhões de europeus foram acolhidos no Brasil, num processo que incluiu o provimento de subsídios para a instalação de colônias agrícolas, entre outras medidas; ao mesmo tempo, o mercado formal de trabalho tornou-se cada vez mais fechado aos negros, pelo menos no sul e no sudeste. Estimou-se que em 1915 cerca de 85% da força de trabalho empregada nas indústrias de São Paulo era formada por estrangeiros. Isso levou alguns políticos e intelectuais a se congratularem com uma perspectiva que saudavam como alvissareira: no Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado em 1930, Roquete Pinto estimou que em 2012 a composição racial no Brasil seria de 80% brancos, 17% indígenas, 3% mestiços e 0% negros. Essa previsão parece condenada... Mas a política em apreço produziu efetivamente alguma mudança no perfil racial do Brasil, visto como os pretos e pardos que em 1890 formavam 66% da população do país já em 1940 representavam apenas 34% dela.

Ainda em relação a esse tópico, cabe observar que em grandes cidades do sudeste brasileiro, alvo, durante décadas, de intensa migração interna, são esses migrantes nacionais os que se vêem mais desprezados, humilhados e sujeitos a violência, formando a massa de despossuídos, dos sem teto, dos alojados precariamente em habitações sub-normais, nas favelas, nos subúrbios, nas periferias metropolitanas. Muitos nordestinos aí são objeto de tratamento despectivo, a tal ponto que gentílicos como “baiano” e “paraíba” chegam a ser empregados, em São Paulo e no Rio de Janeiro, como insulto ou apelativo degradante. A grande maioria desse contingente de oriundos de áreas rurais miseráveis se compõe de pretos e pardos.

Não são tampouco os estrangeiros, mas os brasileiros nordestinos, em particular os negros, os migrantes que de vez em quando sofrem perseguição violenta (espancamentos e assassinatos) efetuados por pequenos grupos fascistas em São Paulo, por exemplo. Esses grupos fascistas são realmente minúsculos; mas sua atuação é sintomática: traduz em termos de violência direta, brutal, uma atitude bem mais generalizada de desprezo que, não raro, beira a hostilidade.
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Os últimos censos têm mostrado o crescimento demográfico da população indígena brasileira, um fenômeno que causou certa surpresa, em face dos muitos prognósticos desfavoráveis do início e de meados do século XX. Em particular, o Censo 2000 revela que 0,4% da população do Brasil é de indígenas, superando a casa dos 700. 000 (quando se esperava no máximo 400.000)... Em comparação com o cômputo feito no Censo de 1991, a população de índios cresceu 138% no país. A superação de grandes surtos epidêmicos, e de alguns conflitos agudos com nacionais, em parte graças à ação indigenista (apesar de todas as suas limitações) devem ter ajudado. Certamente teve grande importância no processo a formação de um ativo movimento indígena que alimentou a resistência dos grupos ameaçados e os fortaleceu.

Houve também melhores cômputos, alcançando alguns grupos antes não contatados. Mas um fator não desprezível desse aumento numérico foi o que os antropólogos chamam de “emergência étnica”, isto é, a reassunção, por parte de vários grupos (em especial do Nordeste) de identidades indígenas que vinham sendo camufladas em função de discriminação e repressão brutal. Essa “emergência étnica” deve-se, em grande medida, menos ao relaxamento de tensões que à informação adquirida pelas comunidades em apreço (geralmente através de pesquisadores) acerca dos direitos constitucionais das sociedades indígenas à posse da terra que ocupam, e também à descoberta da possibilidade de obter algum apoio (mesmo se precário) da Fundação Nacional do Índio — FUNAI; pesaram também no processo a ação esclarecedora de ONG’S pró-índio e do movimento indígena.[7]

Em número de 734.131, segundo o último censo, os indígenas não constituem um grupo homogêneo: trata-se de 235 povos, com cerca de 180 línguas, com histórias distintas, inseridos em diferentes ecossistemas e em contextos regionais diversos: há terras indígenas em 24 das 27 unidades da Federação.[8]

A Constituição de 1988 estabelece, no seu Art. 231, o reconhecimento aos índios de pleno direito à posse permanente e ao usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam, e das riquezas nelas contidas, ao tempo em que atribui à União a responsabilidade de demarcá-las. Mas essa demarcação tem sido lenta, freqüentemente postergada, e, em alguns casos, tem tido sua efetivação seriamente ameaçada: apenas 38, isto é, 21% das terras indígenas conhecidas, foram registradas; somente 6,66 % tiveram sua demarcação homologada. Por notável exemplo, acham-se até agora sem homologação a demarcação das Terras Indígenas Jacamim, Waiwái, Badjonkôre, Cuiú-Cuiú, Moskow, Muriru e Boqueirão. Depois de longa demora, foi homologada a demarcação da Terra Indígena Raposa do Sol em 15 de abril de 2005; a razão da demora é que o processo fora submetido pela Casa Civil da Presidência da República à apreciação do Conselho de Defesa Nacional e da Câmara de Relações Exteriores do Conselho de Governo, de modo juridicamente injustificável, pois todos os trâmites legais previstos já tinham sido cumpridos; isto deveu-se apenas a pressões de invasores dessas terras. O governador Otomar Pinto decretou luto de sete dias no Estado de Roraima por causa desta homologação. No dia 17 de setembro de 2005, conforme denúncia do Conselho Indígena de Roraima, aproximadamente 150 homens encapuzados e fortemente armados invadiram e incendiaram de madrugada um complexo formado pelo Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, um hospital, uma escola, uma igreja e a casa das missionárias que acompanham as comunidades. Um professor de Mecânica, foi agredido fisicamente e teve o carro queimado e um paciente que era transportado por uma ambulância da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foi ferido no rosto por estilhaços dos vidros danificados pelos agressores.


A ausência de demarcação, desintrusão e proteção de áreas reconhecidas como patrimônio dos índios fomenta o quadro de violência crescente que ora se constata em muitas delas; perpetua um estado de conflito que tem feito muitas vítimas, destacadamente várias lideranças indígenas. Conflitos dessa ordem ocorrem hoje com os povos Xukuru (PE), Truká (PE), Macuxi e Wapixana (RR), Cinta-Larga (RO), Kayowá-Guarani e Terena (MS), Tuxá (BA/PE), Pataxó (BA) e Pataxó Hã-Hã-Hãe (BA).

Os líderes indígenas ultimamente vêm protestando com energia contra

“...o verdadeiro assalto cultural que nos últimos anos diversos povos indígenas vêm sofrendo da parte de invasores de suas terras e de vizinhos ambiciosos. Nessa empreitada, expedientes os mais diversos são utilizados, desde a aberta proibição ou hostilização de práticas culturais, até os artifícios mais insidiosos, com a atuação agressiva e etnocêntrica de igrejas com variadas orientações confessionais, que se alojam nas proximidades das aldeias, atraem inicialmente crianças e mulheres, e na seqüência passam a inibir as manifestações tradicionais daquelas culturas sob a acusação de que ferem suas crenças religiosas”[9].

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A PNAD/IBGE de 1998 mostrou que 12,95 dos homens negros trabalhavam sem rendimento, o que acontecia com 7, 74 % dos brancos; havia 26,7% dos homens negros recebendo até um salário mínimo, contra 11, 68 brancos na mesma faixa; 23, 6 por cento das mulheres negras trabalhavam sem rendimento, condição em que se encontravam 17,42% das brancas; já 35,05 % das mulheres negras recebiam até um salário mínimo, teto este que era o limite para 18,79% das brancas. A taxa de analfabetismo dos negros em 1998 era de 20,8%, ao passo que a dos brancos era de 8,4%.[10] Tornou-se então incontestável que a desigualdade existente na sociedade brasileira tem a ver com a discriminação racial.

Pouco tempo depois, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou um estudo coordenado pelo Prof. Ricardo Henrique que bem o confirmou, com base na PNAD 1999. Mostrou-se aí um Brasil branco 2,5 vezes mais rico que o negro, onde 65% dos pobres vinha a ser negros. O percentual de crianças pobres na faixa etária de 0 a 6 anos neste país atinge escandalosos 51%, e nesse conjunto a participação dos negros ficou em 66% contra 38% dos brancos. Como então se reconheceu, dos 22 milhões de brasileiros encontrados em extrema pobreza (entre os que não chegam a consumir a quantidade mínima de calorias recomendada pela ONU), 69% são negros. E a taxa de analfabetismo no Brasil mostrou-se três vezes maior entre os negros.

O mesmo quadro se evidenciou no Estudo sobre Indicadores de Desenvolvimento Humano, uma pesquisa coordenada pelo Prof. Marcelo Paixão (do Instituto de Economia da UFRJ) no contexto do Projeto Brasil 2000 – Novos marcos para as relações raciais. [11] À época da pesquisa, o Brasil (como um todo) ocuparia o 74 º lugar no ranking do PNUD. Desagregando os IDH para brancos e negros, a pesquisa encontrou, aqui, na ordem do mesmo ranking, um hiato de sessenta posições entre brancos e afro-descendentes. Como também se evidenciou, os negros se acham em pior situação que os brancos em todas as regiões do Brasil, seja qual for o indicador escolhido para analisar a desigualdade.[12] Em 1999, o IDH da população negra colocava o Brasil na 108ª posição, e a população branca do país na 49ª posição.

A Pesquisa sobre Padrões de Vida: PPV/IBGE realizada entre março de 1996 e março de 1997 em seis regiões metropolitanas (Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro), além de outras áreas urbanas e rurais do Nordeste e do Sudeste do Brasil, cobrindo 70% da população do país, mostrou que 35% dos domicílios com chefes afro-descendentes foram considerados inadequados, contra 12% de domicílios na mesma condição com chefes brancos.

No cômputo do Censo 2000, o rendimento médio da população ocupada preta e parda (2,2 salários mínimos mensais) ficou em torno de 50% do rendimento dos brancos (4,5 salários mínimos mensais). Apesar de ter a maior proporção de pretos e pardos do País (82%), a região metropolitana de Salvador destacou-se pelas mais altas diferenças por cor: aqui, os rendimentos médios da população preta e parda representam cerca de um terço dos rendimentos da população branca. Ainda segundo os dados do referido censo, os homens pretos e pardos ganham 30% a menos que as mulheres brancas.

Verificou-se também que quase a metade de pretos e pardos ocupados no Brasil vêm a ser analfabetos funcionais. E a proporção de brancos ocupados com 12 anos ou mais de estudo (16,4%) mostrou-se muito superior à de pretos e pardos com os mesmos níveis de instrução (4,5% e 4,4%, respectivamente). No total da população preta ou parda de 15 anos ou mais, montam a 36% os analfabetos funcionais, contra 20% na população branca. (Os índices mais elevados foram encontrados no Nordeste). Ainda na faixa de 15 anos ou mais, no Brasil, 60% dos estudantes brancos cursam o ensino médio, contra 32% dos pretos e pardos. Na população de 18 e 19 anos, para 21,5% dos brancos em cursos superiores em nível encontrou-se 4,4% e 3,2%, de pretos e pardos, respectivamente.

Os dados recolhidos pela PPV/IBGE na última década revelam que a população branca tem maior escolaridade que a negra em todas as faixas etárias, mais acentuadas para as crianças de 0 a 6 anos, com uma diferença de 8,4 pontos percentuais.
Um fator limitante da mobilidade social positiva no Brasil contemporâneo vem a ser a profunda degradação da escola pública (a única a que a imensa maioria dos negros pode ter acesso no país).
O Brasil apresenta números escandalosos no que toca a desigualdade social. Comparativos feitos com dados censitários ao longo da última década mostram que essa desigualdade não foi reduzida; pelo contrário, manteve-se constante; as melhorias alcançadas em indicadores sociais significativos (redução da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, diminuição do analfabetismo, aumentos de rendimento médio em diferentes faixas etc.) o foram num contexto em que as distâncias entre ricos e pobres permaneceram violentas. Segundo já indicava o Censo 2000, o contingente 1% mais rico da população acumula o mesmo volume de rendimentos dos 50% mais pobres e os 10% mais ricos ganham 18 vezes mais que os 40% mais pobres. Essas distâncias são claramente marcadas em termos de cor/raça. Dos 10% mais pobres, isto é, dos que detêm apenas 1% do rendimento total, 68% são negros (pretos ou pardos).
A expectativa de vida da população brasileira afro-descendente é de 64 anos, contra 70 anos para a população brasileira branca.
A desigualdade regional, muito acentuada neste país, tem um rebatimento na linha de cor. Têm participação mais reduzida na riqueza nacional os estados e regiões onde se acusa maior presença negra (e indígena), isto é, os situados nas regiões Norte e Nordeste. No Sudeste as áreas ocupadas pelos pretos e pardos são as mais carentes.
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Não há como negar a realidade da discriminação. As estatísticas são conclusivas. Os pretos e pardos são, no Brasil, a parcela que vive em piores condições, com mais baixa qualidade de vida; que povoa as favelas, os brongos, os mocambos, todos os espaços de precária habitabilidade, de habitação sub-normal, na periferia das cidades grandes e médias, nos bolsões de miséria das metrópoles, ou no abandono dos campos; a fração que tem menor expectativa de vida, a que desfruta menos oportunidades de educação e trabalho, a que é mais vulnerável à violência aguda e crônica. Estão em maioria entre os desempregados, e no trabalho informal.[13] Engrossam as fileiras dos sem-teto, dos sem-terra, dos que se acham abaixo da linha de pobreza, dos mais atingidos pelo desemprego, pelas doenças epidêmicas e pela fome. Formam, em grande proporção, a massa dos excluídos da cidadania.. Na absoluta maioria, são pretos e pardos os meninos de rua, os menores delinqüentes recolhidos em instituições perversas onde são freqüentemente brutalizados; quase sempre, são pardos e pretos os encarcerados em condições subumanas, as vítimas de tortura rotineira e de toda espécie de abuso. As chefes de famílias matricêntricas, as mais carentes, são negras, na sua grande maioria, tal como as prostitutas escravizadas, as vítimas comuns da morte materna evitável, do estupro, do abuso, da violência crônica. As mulheres negras estão, aqui, nos patamares mais baixos em termos de rendimentos, de oportunidade de emprego, de educação.[14]
Entendida a discriminação como fator de produção e reprodução da desigualdade social, vemos que esta opera muito bem no Brasil e tem, neste país, um corte racial ineludível.
Ainda que ela opere “a frio”, sem a explícita mobilização de ódios étnicos, como ocorre em outros países, esta sua “frieza” consegue ser muito cruel. Pois traduz-se em violência constante. Ao contrário do que muitas vezes se alega, o Brasil não ignora o ódio étnico... pelo menos de todo; ele tem irrompido em ações sangrentas de invasores de terras indígenas, que desqualificam os atacados com manobras racistas diversas, desde a negação/deterioração de sua identidade (quando os classificam de “caboclos sujos”, “falsos índios”), à simples tese de que é preciso removê-los por que “atrasam o progresso”: com essa linguagem são “justificados” cercos, emboscadas, agressões, assassinatos. Por outro lado, a atitude de muitos moradores de áreas privilegiadas das grandes cidades para com os favelados (na maioria negros que, por sua simples aparência, são considerados suspeitos) — com freqüência tende a evoluir para uma leitura racista odiosa, em que a cor torna-se estigma.
De qualquer modo, mesmo que não se explicite o discurso racista, uma coisa é inegável: índios e negros sofrem grande discriminação neste país — e são vítimas de multiforme violência.
Nas cidades grandes, é conhecido o abandono em que vivem populações periféricas, compostas, na maioria, por pretos e pardos. Pois tais são os habitantes de incontáveis favelas onde o Estado quase só se faz presente por seu aparelho repressor, em violentas incursões policiais em que os direitos civis dos moradores são geralmente ignorados em nome do combate ao banditismo. No resto do tempo, ficam esses moradores desprotegidos, sujeitos ao desmando de grupos criminosos alentados pela corrupção e conivência policial. Não só as guerras de quadrilhas como também os confrontos entre forças policiais e grupos de bandidos com rotineira freqüência os deixam entre dois fogos, fazem-nos vítimas de balas perdidas, de agressões e humilhações de todo o tipo. Muitos moradores de favelas e subúrbios empobrecidos — com um grande contingente de negros — vivem hoje, em grandes metrópoles brasileiras, em regime de terror. A ausência de oportunidades para crianças e jovens facilita seu recrutamento pelo crime organizado, lançando-os em carreiras brutais que terminam com a morte precoce. Nas grandes cidades do país, os grupos de extermínio dizimam jovens negros de maneira sistemática. Os massacres de crianças, de moços, de homens e mulheres do povo, geralmente pobres e negros, na cidade e no campo (memento Carajás, Candelária, Vigário Geral etc.) permanecem geralmente impunes.
São também gente pobre, pretos e pardos na maioria, os policiais que perecem no enfrentamento direto das quadrilhas criminosas: ficam extremamente vulneráveis por conta da precária organização das forças públicas, mal treinadas e mal equipadas. De resto, convivendo em áreas de risco a que sua origem os confina com os criminosos que devem combater, têm de ocultar o tempo todo sua identidade policial, e não raro morrem assassinados quando reconhecidos.
Nas metrópoles brasileiras, as disputas de mercado do narcotráfico, a brutalidade policial e a ação dos grupos de extermínio fazem, hoje, mais vítimas do que muitas guerras pelo mundo afora. Embora não haja estatísticas amplas que contemplem este recorte, não é segredo para ninguém que as vítimas da violência urbana no Brasil são, quase sempre, pretos e pardos. No campo, estes formam grande parcela dos que sucumbem à sanha de jagunços e policiais a serviço do latifúndio.
O desumano sistema prisional brasileiro está abaixo da crítica. As cadeias superlotadas e imundas são regularmente palco de sevícias e massacres. Uma lei que institucionaliza a desigualdade reserva esses cárceres infernais aos mais pobres, privilegiando com a detenção em celas especiais os portadores de diploma de curso superior, que, no Brasil pertencem majoritariamente às classes mais privilegiadas; escusado dizer que poucos negros podem usufruir desta vantagem.
Para a massa dos despossuídos — em que pretos e pardos se destacam — de um modo geral a punibilidade é bem assegurada, não apenas nos limites da lei, mas também, com sinistra freqüência, transcendendo-a... como sucede nos inúmeros casos de prisões arbitrárias (geralmente seguidas de tortura) e de encarceramento por tempo além do sentenciado. Em contraste com isso, a impunidade é comum nos casos de crimes de “colarinho branco”, e em outros praticados por membros da elite, aumentando na razão direta das posses e do status social do infrator. Os grandes roubos, os rombos escandalosos que lesam o patrimônio público, poucas vezes são punidos.[15] Os negros estão, na sua imensa maioria, no grupo dos mais vulneráveis à violência e no dos mais sujeitos a punição, com ou sem justificativa legal. Formam também a maioria dos miseráveis e dos mendigos, num país em que a miséria atrai a repressão.
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O racismo no Brasil, conforme sucede em todo o mundo, se apóia em mecanismos e aparelhos ideológicos que operam no campo da socialização; infiltra-se nas redes de comunicação, em poderosos veículos de formação de opinião, e assim se propaga. Por esses meios, também, vem a exercer-se uma violência simbólica que minimiza os negros, chegando a invisibilizá-los em muitos contextos, o que facilita sua exclusão, e não raro atua também perversamente sobre suas vítimas, impondo-lhes uma auto-imagem negativa; pode assim levar os negros, por exemplo, a colocar-se em conflito consigo mesmos, a rejeitar sua identidade deteriorada, a aceitar juízos negativos sobre sua origem e buscar “superá-la”. A estratégia do branqueamento, que reflete um ideal racista por longo tempo dominante, chegou a ser assimilada por parte de suas vítimas.

Houve, no entanto, progressos significativos. Nas últimas décadas do século passado, o movimento negro alcançou êxitos que se refletiram em mudanças na opinião pública; a democratização propiciou um maior esclarecimento, uma difusão de valores anti-racistas e facilitou a abordagem da exclusão social. Resultaram disso muitos avanços recentes, com a implementação de políticas afirmativas visando a compensação das desigualdades raciais.
Já a Constituição Federal de 1988 definiu o racismo como crime inafiançável. O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias impôs reconhecer “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras” a propriedade definitiva delas, “devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. O Decreto No. 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação dessas terras A Medida Provisória no. 66 de 26/08/2002 instituiu o Programa Diversidade na Universidade, voltado para o combate à exclusão social, étnica e racial, ensejando melhorar as oportunidades de ingresso no ensino superior para jovens e adultos de grupos socialmente desfavorecidos, especialmente de populações afro-descendentes e povos indígenas. O Decreto 4.866, de 20/11/2003, criou a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR), ligada à Presidência da República, e instituiu a Política Nacional de Igualdade Racial. A Lei 10.639/2003, que alterou a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, acrescentou-lhe os arts. 26-A, e 79-B tornando obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e incluindo no calendário escolar o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. Em 2004, o Plano Nacional de Saúde passou a incluir o recorte racial/étnico em sua estruturação e conferiu-se destaque à saúde da mulher negra na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei Nº 3.198 de 2000, o Estatuto da Igualdade Racial, que entre outras medidas propõe criar o Fundo Nacional para a Promoção da Igualdade Racial para incentivar programas de inclusão social dos afro-brasileiros, com recursos garantidos no orçamento federal, provenientes de um percentual da receita líquida da arrecadação (0,125%) e dos prêmios líquidos das loterias (1%), além de doações dedutíveis do imposto de renda.
Mas ainda continuam grandes os problemas. Em particular, a mentalidade mais retrógrada continua a servir-se muito bem dos meios de comunicação. Na mídia, os avanços foram pequenos. A péssima qualidade de inúmeros programas da televisão brasileira, principalmente dos caracterizados como “populares”, muito faz para a deseducação do povo, e para a propagação de estereótipos racistas; não raro, programas de auditório incluem verdadeiros rituais de humilhação dos participantes pobres a que oferecem um canal de manifestação ainda assim desejado, diante do desespero da desatenção que os vitima, da parte das instituições públicas que deveriam prestar-lhes atendimento.

Em especial, a mídia eletrônica tem sido um instrumento perverso para uma campanha degradante contra os cultos afro-brasileiros. Dá-se que novas igrejas pseudo-evangélicas, representantes de um tipo sui generis de neo-pentecostalismo de missão, empreendem hoje uma guerra sem quartel contra esses ritos. Combatem-nos através de uma propaganda agressiva, com estratégias de conversão ancoradas em um violento discurso acusatório. Pode-se dizer que essas novas igrejas crescem parasitando os ritos que perseguem, a cultivar-lhes inimigos e disputar-lhes fiéis. Nessa cruzada, formam-se pastores de um novo tipo, com uma eloqüência exercitada em desempenhos fanáticos. Os seus ofícios religiosos resultam em espetáculos de massa estruturados como shows onde o apelo à fé é dramatizado com a reclamação de oferendas em dinheiro e promessas de taumaturgia. A propaganda da nova fé envolve a diabolização de outros cultos. Assim, a intolerância religiosa veio a ser cultivada no Brasil de um modo novo, com recursos de comunicação de massa antes inéditos.

Por muito tempo, neste país, alimentamos o furor de um racismo hipócrita fazendo de conta que não temos “problema racial”. Hoje, poucos apregoam a “democracia racial brasileira”... Mas quando se fala em intolerância religiosa, muita gente ainda faz de conta que ela só existe “lá fora”: na Irlanda, no Oriente Médio, na Europa Oriental... Autoridades fecham os olhos aos ataques criminosos que igrejas-empresas desferem contra o candomblé e a umbanda, com atos rotineiros de calúnia e agressão: não raro, seus fiéis fanatizados invadem terreiros, impedem oferendas, atiram sal e enxofre nos santuários alheios, apedrejam templos. Seus ritos têm como principal função exorcismos brutais, recurso dramático usado para diabolizar os cultos que perseguem. Isto acontece na praça pública, na televisão, em todo o canto. Esses crimes ofendem nossas leis maiores, a começar pela Constituição Federal. Mas as autoridades policiais pouco fazem para os debelar. E os novos torquemadas, com o ataque sistemático à herança negra, fazem progredir o racismo.

Por ironia, os atingidos são praticantes de ritos que muito contribuíram para um autêntico avanço cultural no Brasil, difundindo aqui um generoso espírito de tolerância. Como religiões não dogmáticas, os cultos afro-brasileiros não reivindicam qualquer monopólio da verdade. Consagraram, assim, uma mentalidade aberta, que admite e acolhe a diferença. Isto é uma autêntica conquista civilizatória, hoje ameaçada pela agressão do fanatismo, feio produto de empresas de lavagem cerebral.

Não é novidade no Brasil a intolerância religiosa. Não são as “novas igrejas” as primeiras a promovê-la, nem têm a precedência na agressão racista aos cultos afro-brasileiros. O que há de novo é que sua investida contra estes cultos é agora conduzida com recursos muito poderosos. Pois quem a protagoniza são empresas eclesiais que detêm o controle de meios de comunicação de massa e sabem empregá-los; são organizações que realizam com habilidade neo-liberal uma persuasiva drenagem de renda dos mais pobres; que se estruturam politicamente, capitalizando votos de modo a pressionar o aparelho de estado, livrando-se com facilidade dos incômodos da lei, e falam uma linguagem direta, em acordo com o discurso sócio-político dominante: privilegiam o sucesso como valor supremo. Seus pastores dominam técnicas muito hábeis de manipulação do racismo internalizado na massa despolitizada, aflita e abandonada a si mesma. É a auto-rejeição de homens pobres, humilhados por preconceitos incidentes sobre sua condição de cor, de classe, de origem, o que os torna vulneráveis a uma pregação enfática baseada no convite a abandonar sua identidade deteriorada. O combustível dessa mística é o racismo que contamina toda a sociedade brasileira.

[1] Cf. SCHWARCZ, Lilia M. “Questão Racial no Brasil”. In: SCHWARCZ, L.; REIS, L. V. de. Negras Imagens. São Paulo: EDUSP, 1996.
[2] O Censo 2000 revelou que o Brasil tem 169.544.443 habitantes (2,8% da população mundial) de que 81,2% vivem nas cidades. Comparado ao último recenseamento, feito há dez anos, o país ganhou mais 22.718.968 brasileiros. Mas o ritmo de crescimento populacional decresce: a taxa anual de aumento da população chegou a 1,6% ao ano na década de 90, ao passo que nos anos 80, era de 2,1% ao ano.A idade mediana da população, que em 1991 era de 21,7 anos, subiu para 24,2 anos; dá-se que 50% da população brasileira tem menos de 24,2 anos de idade. O Brasil chegou ao fim do milênio com 96,93 homens para cada 100 mulheres. No mesmo censo, encontrou-se apenas 31,8 milhões de pessoas em áreas rurais. A proporção de pessoas residindo em áreas urbanas, que era de 75,6% em 1991, passou para 81,2% em 2000.
[3] Não existe uma categorização científica das cores da pele humana, muito menos de supostas “raças” da espécie homo sapiens, aferível segundo padrões exatos. Todas as que os censos sempre usaram são arbitrárias — em maior ou menor medida. A grade do IBGE tem um valor operacional. A vantagem do termo “pardo”, por exemplo, cinge-se ao fato de que é capaz de agregar muitas nuances, enquanto termos como “chocolate”, “queimadinho de praia” et similes tornam praticamente impossível a aferição (em quantitativos) de indicadores da discriminação: a variedade da invenção semântica que manifestam tende a singularizar as respostas assim formuladas.
[4]Os avanços da genética humana e da bioantropologia mostraram a perfeita inanidade de taxionomias racialistas que tiveram ampla vigência no século XIX e nos começos do século XX. Essas classificações eruditas (assim como as populares que as inspiravam e/ou que elas refletiam) mostraram-se todas caducas, inaceitáveis em termos científicos. Características morfológicas utilizadas para distinguir grupos humanos não os distinguem, de fato, senão na aparência: não têm qualquer correlação com aptidões e capacidades de ordem intelectual, moral, cultural etc., como tantas vezes se supôs. A variabilidade genética verificável, por exemplo, entre populações da África e da Europa distinguíveis por traços morfológicos tais como cor da pele, cabelo, cor dos olhos, é pouco maior do que a verificável, em termos de genotipia, em cada uma dessas populações tomada de per si. Dá-se que todas têm uma única origem e nenhum dos grandes grupos humanos ficou efetivamente isolado... Por outro lado, como diz Cowlishaw (2000:101): “while speaking of race may appear to reproduce racial categories, I believe that not speaking of race allows racial differentiation to flourish unchallenged...” Naturalmente, convém explicar, como essa autora logo faz: “When I speak of race I refer not to given biological categories but to social constructs which are both a conceptual habit and an experienced reality”. Cf. COWLISHAW, G. K. “Censoring Race in ‘Post-Colonial’ Anthropology.” Critique of Antropology, vol. 20, n. 2 (200): 101-124.
[5] Pesquisas diversas têm demonstrado a ampla heterogeneidade genética da população brasileira (Cf. SALZANO, F. M.; FREIRE MAIA, N. Populações brasileiras: aspectos demográficos, genéticos e antropológicos. São Paulo: Cia. Editora Nacional/EDUSP,1967; SALZANO, F. M.; BORTOLINI, M. C. The evolution and genetics of Latin-American populations. Cambridge: Cambridge University Press, 2002; ALVES-SILVA ET ALII. “The ancestry of brazilian mtDNA lineages.”American Journal of Human Genetics, 67 (2000) p. 444-461. Há estudos que comprovaram a presença de genes característicos de populações européias em negros do Brasil e uma pesquisa conduzida com uma mostra de brancos brasileiros (de classe média e alta) acusou, através de análises do DNA mitocondrial, “33% de contribuição ameríndia e 28% de contribuição africana...” (PENA ET ALII. “Retrato Molecular do Brasil”. Ciência Hoje, 159 (2000): 16-25.). Como concluem Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio (SANTOS, R. V.; MAIO, C. “Qual Retrato do Brasil?” Mana, 10-1 (2004):61-98), o Retrato Molecular do Brasil — assim se chamou a referida pesquisa — corrobora de maneira insofismável a natureza mestiça dessa mostra de (autoclassificados) brancos brasileiros, desde quando aproximadamente 60% das matrilinhagens remetem aos universos “negro” e “indígena” (“ameríndio”). Tudo leva a crer que esses resultados são generalizáveis para a grande maioria dos brancos de nosso país. Eles se classificam e são classificados assim apenas pela aparência, não pelo reconhecimento da ascendência. Ou seja, prevalece aqui, como observara em seu clássico estudo Oracy Nogueira ( ), o “preconceito de marca”, não o “de origem”. Mas sucede que no quadro social brasileiro a aparência conta muito; a rigor, é o que conta no procedimento de discriminação “racial”.
[6] Sabe-se que nas décadas de 1930 e 1940 uma política de intolerância, motivada pela guerra contra o Eixo, atingiu as minorias italiana, alemã e japonesa, impedindo-lhes o emprego da língua de origem na vida diária e na educação dos filhos, com uma ação repressiva por vezes violenta; mas esta política não perdurou. A ausência de conflitos abertos não equivale dizer que inexiste xenofobia no país. Mas segundo os estudiosos, esta não chega a constituir problema sério.
[7] Cabe notar que grupos indígenas nordestinos contam com significativo contingente de mestiços, fruto de considerável interação com nacionais brancos, pardos e pretos... Dá-se aí, por vezes, certa oscilação de uma fronteira móvel entre comunidades indígenas e quilombolas (ARRUTI, J. M. de A. “A emergência dos Remanescentes: Notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas”. Mana 3/3 (1997):7-38. ).
[8] Há também grande quantidade de indígenas morando em centros urbanos, e há povos indígenas ainda sem contato com a sociedade nacional.

[9] Moção dirigida ao Ministério da Cultura por lideranças indígenas de diferentes estados e regiões, reunidas na cidade de São Paulo entre os dias 29 de junho e 3 de julho de 2004, por ocasião do Fórum Cultural Mundial, no Ciclo de Debates intitulado Presença Indígena no Fórum Cultural Mundial, realizado sob a coordenação das duas maiores organizações indígenas do país, a COIAB, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, e a APOINME, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
[10] Cerca de 17 milhões de brasileiros são analfabetos. Na última década houve redução significativa, deste contingente. Mas o Brasil não cumpriu metas estabelecidas na Constituição Cidadã.
[11] Os Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvidos pelo Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD), classificam os 174 países membros da ONU em um ranking definido segundo um indicador sintético que agrega três variáveis básicas: renda per capita, longevidade e alfabetização (combinada, esta, com a taxa de escolaridade). No estudo da FASE, aplicou-se a metodologia do PNUD para medir as disparidades sócio-econômicas verificáveis, no Brasil, entre os grupos “branco” e “afro-descendente”,— este último englobando os negros e pardos do país — com o suporte das bases de dados da PNAD de 1998.
[12] A propósito, ver os sites "http://atlas.rits.org.br" e http://www.fase.org.br. Cf. também PAIXÃO, M. “Desenvolvimento Humano e as Desigualdades Étnicas no Brasil”. Proposta, no. 86 (2000): 30-51.
[13] O desemprego praticamente dobrou no Brasil nos últimos dez anos. É o que mostra um levantamento coordenado por Márcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, usando como base dados da PNAD/IBGE. Só 5,5 milhões de novas vagas foram criadas para assalariados com carteira assinada. Outros 7,2 milhões foram contratados a título precário, sem direitos trabalhistas.
[14]Cf. BERQUÓ, ELZA. “Perfil demográfico das chefias femininas no Brasil”. In: Bruschini, C. e Unbehaum, S. G. (orgs.). Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Editora 34, 2002.

[15] A soma das quantias roubadas por todos os ladrões “pé-de-chinelo”, pretos e pardos, encarcerados no Brasil nem chega perto do valor das fraudes cometidas por um único político, que, apesar de um extraordinário acúmulo de provas, dificilmente chegará a ser preso.

3 Comments:

Blogger Marti said...

Pai, blog é uma ferramenta que funciona melhor com textos curtos ou médios...

quarta-feira, 23 novembro, 2005  
Anonymous Anônimo said...

Prezado Professor Serra,

quando um negro africano gera um filho com uma dinamarquesa de antiga ascendência, o filho é um pardo.
A que raça ele pertence?
Há uma série de "pequisadores sociais" brasileiro que automaticamente o colocam no contingente de negros.
Não creio que seja correto dizer isso.
Há várias possibilidades. Se esse rebento abraçar as tradições maternas será obviamente mais um branco. No outro extremo se identificar-se com as culturas africanas, será mais um negro no contingente. Mas isso depende dele. Não é um destino que lhe é imposto.
Por isso creio que uma abordagem menos ideológica seja tão importante ao se interpretar os dados do censo.

Um grande abraço

Antonio Carlos M. Mascaro
mmascaro@ig.com.br

quarta-feira, 14 fevereiro, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu

sexta-feira, 20 novembro, 2009  

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