03 junho, 2006

Há muito tempo que não volto a meu blog. No intervalo, estive hospitalizado por um curto período: fui submetido a uma cirugia para acabar com uma hérnia de hiato e o conseqüente refluxo. A cirurgia foi um sucesso; mas o pós-operatório foi um pouco sofrido. Imaginem um homem que sempre foi guloso, voraz, com um apetite de lobo, sentindo, de uma hora para outra, dificuldade de engolir até mesmo água. Tive de ser submetido a um novo procedimento, coisa comum nesse tipo de cirurgia: tataram-me com um balão esofágico. Isto significa que depois de sedado me introduziram um balão goela a dentro e o dilataram de modo a aumentar o meu campo de ingestão. Deu certo, felizmente. Mas o plano de saúde (como são canalhas os planos de saúde no Brasil!) não queria pagar pelo novo procedimento; tergiversou um bocado, retendo-me no hospital mais dias que o necessário, à espera de uma autorização que nunca veio. Finalmente, por pressão do médico, o hospital resolveu efetuar o procedimento e cobrá-lo depois do plano. Que agora vou processar. Não só por causa do atraso que me prejudicou no trabalho (tenho aulas a repor, orientandos a quem devo mais horas de conversa, projetos por concluir, um acúmulo de afazeres no Departamento etc.) mas principalmente por causa da dose extra de sofrimento. Apesar do excelente médico e do ótimo atendimento no Hospital Português, é sempre sofrida uma passagem dessas. Ficar atado ao soro é irritante; a sensação de perda de tempo, quase inevitável; e essa novidade de não saber engolir cria angústia. Eu tinha, porém, muito conforto: a companhia de minha mulher (que detesta hospital, coitada!) , de minha filha, de meu genro (que eram constantes), mais as visitas precisosas de meus irmãos e de amigos muito queridos, como Débora e Émerson, Xavier, Anselmo, Juju. Sou muito grato a todos. Mas quero falar aqui em especial de uma companhia magicamente confortadora: a de minha filha Helena. Ela, assim que chegava ao hospital se deitava numa cama (em geral na minha: somos bons transgressores) e dormia placidamente. Isso me fazia um bem enorme. Me passava uma sensação de profunda serenidade, dava-me um banho de bom humor. Helena tem um sono bonito, de que atesto o efeito terapêutico. Talvez seja um dom dos deuses, de seus quatorze orixás. Há pessoas de presença forte, que nem precisam de gestos ou palavras para marcar o mundo, preeencher-lhe os vazios. Às vezes, só de passagem, elas tomam conta de um lugar de um jeito que fica sendo definitivo. Seu silêncio tem música. A força de presença não depende de agitação. A gente às vezes vê isso no teatro, no cinema: um ator imóvel ou quase imóvel, toma a cena toda, mesmo que nela haja outros irrequietos. Pode haver nisso técnica dramática, mas penso que o principal é espontâneo, é uma qualidade da pessoa. A presença forte se mantém até mesmo depois que a criatura sai do lugar: seu brilho demora ainda um pedaço. E como Helena provou, atravessa a parede do sono. Quem está perto se sente fortalecido.