11 agosto, 2009

VANDALISMO EM BRUMADO


Era uma mulher forte, enérgica, cheia de iniciativa. E de criatividade. Tinha multidão de amigos e conhecidos. Muitas pessoas a procuravam, em busca de ajuda. Não foram poucos os que ela acudiu na aflição; gente pobre e desamparada, incluindo mendigos e prostitutas. Lembro-me de seu plantão na cadeia da cidade, para evitar que um prisioneiro fosse lá assassinado; graças a isso, as ameaças contra o indefeso não foram cumpridas. Recordo-me de suas vigílias ao pé de doentes miseráveis que assistiu na sua agonia; de moços e moças que a chamavam de mãe por que nasceram às suas mãos. Pois era também parteira da gente humilde. Mas ela tinha amizades em todas as camadas, dava-se igualmente com as pessoas de destaque. Seus correligionários e outros; lembro-me de um seu amigo e adversário político, para quem ela escreveu, com gosto, um belo discurso, a fim de propiciar-lhe boa estréia na cena pública. É que para ela, a amizade estava acima das divergências. Também por isso era querida. E tinha a casa sempre cheia. Mas também muitos lá iam apenas para admirar suas telas, para ouvir sua conversa franca e colorida. Ou pedir-lhe poemas. Lembro-me de uma oportunidade dessas: uma professora primária, sua amiga, queria ter uma poesia nova para a recitação de seus alunos, em uma festa qualquer, não me lembro qual. Dona Ester estava ocupada pintando uma tela, muito concentradamente, mas não deixou de atender à moça; pediu-lhe que pegasse papel e caneta e ditou-lhe um soneto. Feito na hora, com métrica e rima perfeitas, sem que ela deixasse o pincel. Era difícil acreditar que não tinha sequer o curso primário, que mal fez as primeiras letras. Lia muito. Era uma oradora perita, que com facilidade convencia e comovia. Tinha uma prosa elegante, como comprovam os textos que deixou. Seu único livro de poemas (publicado postumamente) impressionou mestres de literatura do naipe de Francisco e Clara Alvim. Que também admiravam seus quadros. Judite Cortesão, cientista e pensadora portuguesa, uma das pessoas mais cultas que conheci, tendo visto apenas algumas de suas telas disse que estava diante do trabalho de uma artista de valor, com um estilo marcante. Mas não são esses admiradores que eu quero destacar. Destaco o povo de Brumado, que amava a arte de Ester Trindade Serra e nela se reconhecia. Foi certamente por isso que a Prefeitura da Cidade lhe encomendou um mural e, tempos depois, promoveu-lhe a restauração; em ambas as oportunidades era chefiada por homens dignos e inteligentes. Agora temos a surpresa de saber que outro prefeito, destoando dos seus honrados antecessores, ordenou que o mural fosse desfeito, oculto sob uma camada de tinta. Difícil entender esse ato de vandalismo. Em primeiro lugar, o mural pertencia à comunidade brumadense, achava-se na sede da prefeitura, não na casa do vândalo; não era um bem dele, era patrimônio público. Que ninguém pode suprimir por seu simples alvedrio. O titular de uma Prefeitura deve, no mínimo, saber distinguir o público do privado. Se não gosta de arte, que guarde para si o desgosto; se não é capaz de reconhecê-la, não se ponha a destruir o que não entende, nem queira impor sua obtusa apreciação a seus munícipes. Por boçal que seja, deve, pelo menos, respeitar a memória de sua cidade. Pois é disso que se trata. Era de sua obrigação preservar uma obra valorizada por seu povo; mostrou, porém, que não o respeita. Lamento seu ato arbitrário, truculento e estúpido não só pelo teor de agressão ao trabalho de uma artista querida, minha mãe, mas também pelo insulto assim feito a uma cidade que eu amo. Tenho conhecimento de que em Brumado muitos estão a protestar contra esse desmando. Conforta-me a certeza de que nem com toda a tinta da ignorância, da leviandade, da grosseria, pode um vândalo mesquinho apagar da memória de Brumado a lembrança luminosa de Ester Trindade Serra.
Ordep Serra